O artigo 1.238 do Código Civil trata da usucapião extraordinária e prescreve que será adquirida a propriedade de um bem imóvel àquele que, por quinze (15) anos sem interrupção, nem oposição, possuí-lo como se seu fosse, independentemente de justo título e boa-fé. Caso assim ocorra, poderá requerer ao juiz que declare a aquisição da propriedade do imóvel por sentença, a qual servirá como título hábil para registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A posse mansa e pacífica pressupõe conduta passiva do proprietário que nada faz durante o prazo de 15 (quinze) anos, a respeito da posse exercida pelo possuidor. Neste caso a usucapião extraordinária convalida até mesmo a posse clandestina, já que dispensa boa-fé e justo título. O exercício da posse pelo possuidor como se o imóvel fosse seu, exige, ao contrário, conduta ativa do possuidor que deve assim exercê-la com animus domini.

O instituto pune o proprietário relapso, inativo, sendo que sua inércia por longo período de tempo – 15 anos para o extraordinário – enseja a perda da propriedade para o possuidor que se estabelece no imóvel com ânimo de dono. A declaração da usucapião é forma de aquisição originária da propriedade e não traz nenhum vício do proprietário anterior. O possuidor, a seu turno, deve exercer a posse como se proprietário fosse. E aqui emerge a seguinte reflexão: O conhecimento da posse influcencia no reconhecimento da usucapião?

É sabido que a posse é uma situação de fato. A posse usucapione, como dito, é tida por uma posse qualificada, em que o possuidor não exerce mera detenção, mas tem o imóvel com se seu fosse. A indagação que surge é se o possuidor não tem conhecimento e ciência da posse que exerce? Como isso poderia ser possível? Tomemos o seguinte exemplo: Dois proprietários de imóveis rurais são vizinhos e receberam tais imóveis por herança e cada qual o seu igual e respectivo quinhão, digamos, 10 hectares cada um. Esta seria a área dos imóveis tal qual registrado do Cartório de Registro Imobiliário. Ocorre que um dos proprietários está em uma área de 11 hectares e outro está em uma área de 9 hectares por algum erro na delimitação do perímetro ocorrido no passado quando da divisão fática e implantação das cercas divisórias. Observe que nenhum dos dois tem conhecimento de que exploram área diferente daquele que consta do fólio registrário. O que explora 11 hectares pensa ser proprietário e estar na posse de 10 hectares e o outro, que explora 9 hectares, pensa igual seu vizinho, ou seja, ser proprietário de 10 hectares, mas esta na posse de apenas 9 hectares.

Eis o problema. Como aquele que está na posse de área menor (9 ha), poderá se insurgir contra o esbulho de seu vizinho, não autorizando, portanto a posse mansa e pacífica do seu usurpador, se não tem consciência do que esbulho que está sendo praticado? Na mesma toada, como o proprietário vizinho que explora em verdade 11 hectares, poderia ser considerado possuidor qualificado, com animus domini de uma área de 1 hectare, se não tem conhecimento desta posse maior do que a registrada? Anote que ambos os proprietários sempre recolheram tributos e fizeram declarações aos órgãos de controle (ITR), sobre os 10 hectares conforme suas respectivas matrículas.

A posse exercida por aquele que desconhece exercê-la sobre uma área maior, poderia ser considerada uma posse qualificada? Uma posse capaz de gerar efeitos aquisitivos ad usucapione? Estaria ele exercendo a posse dessa área de 1 hectare como se proprietário fosse, vez que declara e recolhe tributos de apenas sua área matricular (10 ha)? De outra banda, como o vizinho que tem sua área reduzida poderia se insurgir, tempestivamente, se desconhece o fato de sua posse menor e a maior de seu vizinho? Seria penalizado pela perda de sua propriedade relativamente a esse 1 hectare, por não reivindicar, no tempo de 15 anos, a posse ilegal de seu vizinho?

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